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A Resposta

São amantes e encontram-se num ponto de entrosamento em que nada mais importa, em que a existência do outro é a razão suficiente para o simples ato de existir. Mas esquecem-se de si e dos outros, esquecem-se de acontecer e realizar aquilo que outrora ambicionaram. São amantes e amam-se no sufoco desse veneno precioso que lhes queda parte de si no mundo, apagando o restante.   Quis um dia alguém perceber o que era o amor e por breves momentos senti-los. Procurou encontrar essas vítimas, desoladas e ainda assim apagadas de uma realidade física e visível aos olhos de todos os outros. Encontrou-os mas não satisfez a curiosidade. Não entendeu o amor, como queria percebê-lo, mas achou-o grotesco, poderoso instrumento de ameaça à vida e manipulação frívola da racionalidade. Esgotou as hipóteses e concluiu-se mal amado ou. nas suas palavras, um felizardo desprovido desse veneno. Um dia, tão rotineiro como os demais, sucumbiu, sem se aperceber, e caiu em desgraça. Apaixonou-se. Len...

Hipérbole

São almas que se desencontram e quando se cruzam parecem conhecer-se, ignorando-se ambiguamente. Fica a lembrança, fica a paixão fervorosa que antes foi sentida e chora o coração, lágrimas de sangue que mantém o resto funcional.  Sentas-te e olhas-te no espelho. Permaneces em silêncio. Cais no chão e ajoelhas-te, gritas e suplicas um perdão. Pedes uma nova oportunidade para seres aquilo que ignoraste ou simplesmente nunca foste capaz de ser. Choras agora realmente, com lágrimas de água e sal, que demoradamente te escorrem da face até ao peito onde secam, finando o sofrimento, que aí termina.  Levantas-te e enxaguas as lágrimas que não tiverem oportunidade de morrer. "Não voltas a chorar por quem não te merece", explicas a ti mesmo, não acreditando e querendo desesperadamente repetir o acto de desespero digno de um verdadeiro óscar para melhor drama.  Olhas-te no espelho, agora de pé, e percebes que a única alma que se perdeu foi a tua. De ti. 

Um ano

Um ano depois, aqui estou, exatamente no mesmo sítio, sem grandes alterações e praticamente com o mesmo sentimento por ti.  Nada mudou à excepção de que te vejo agora ainda mais longe, mais distante e com menos realidade. Tenho dificuldade em recordar o teu cheiro e a tua voz, as tuas palavras mais meigas ou mesmo os momentos de rabugice. Mas aquilo que eu senti, ainda o sinto. Páro, de repente, no meio do quotidiano habitual, e olho para o Matias. Há quanto tempo eu não parava para olhá-lo. Vou guardá-lo, pensei. Não faz sentido estar ali a recordar-me de ti. E ao tocar nele, lembrei-me das vezes que juntos o contemplámos e os segredos que lhe contámos. Aproximei-o do rosto e as lágrimas caíram-me. Recordei o cheiro que me acordaram as memórias. Amar-te foi o maior erro que cometi na minha vida e a minha maior lição. 

O sonho

Já com os olhos semi-cerrados desliguei o computador. O sono apoderou-se da cabeça cheia de pensamentos e de barreiras que sabia ter de ultrapassar. Fechei os olhos e depressa fui conduzido a uma cenário negro, muito negro, onde de repente o passado é presente e o terror assola a alma, confundido os tempos e os espaços.  Estavam lá todos os episódios e lembro-me da angústia. Eu estava presente, era o protagonista, mas não me percebia, não conseguia compreender aquele meu "eu" passado a viver no "eu" presente. Falava com ela sobre como pensamos e agimos e sentia-me confuso, tinha muito conhecimento e a minha cabeça rebentava. Não sei em que divisória estaríamos, mas pertencia àquela casa naquele local onde de tudo aconteceu.  No meio disto, ele sobe umas escadas enquanto fala ao telemóvel, passa pelo aro da porta daquela divisão que nunca existiu; a porta também lá não estava. Ela disse-me que ele deveria ter vindo buscar coisas que ainda eram dele. Mas que ...

A farsa

Tento admirá-las, apreciá-las, dar-lhes algum crédito, ainda que não lhes reconheça boa cobrança, insisto e acabo por odiá-las. Todas elas são iguais: frágeis, infiéis, depressivas, ilusórias, falsas. Todas procuram mentir a cada oportunidade, a si próprias e a mim, que as consolo na sua tragédia dramatizada.  Procuro reconhecer-lhes valor, acreditar que é possível alimentar a sua sede de harmonia e consolo pessoal. Dou-lhes a estima que outros roubaram e envolvo-me na fraude. Sou furtado na minha sede de bem querer e acabo usado como um trapo que serviu para limpar destroços de uma alma sofrida e enraivecida de vingança. Sou o sexo que uso para esquecer a física carnal passada. Uso e sou usado, e tudo o resto desaparece. E quando eu quiser mais? Quando eu deixar de me preocupar e simplesmente me apaixonar, quem vai lá estar por mim? Quem vou eu puder usar, defraudar e utilizar como objeto carnal sem alma nem glória? Serei eu capaz disso?

O palco

Atrás da mentira, escondo as minhas verdades e descubro-me diferente daquilo que sempre representei. Procuro uma saída, de forma constante e repetida, e nunca chego a abrir qualquer uma das portas, as quais jamais ouso atravessar.  Olho para trás e percebo a quantidade de palavras que usei para descrever uma realidade ficcionada por mim próprio e onde exemplarmente representei, sendo paralelamente o protagonista e o antagonista, replicado em cenas trágicas e sem perdão.  Recuo, de todas as vezes, e o pano cai. Não oiço os aplausos, não vejo a plateia e não a sinto. Estou sozinho em palco e a cortina não precisa de descer, porque nunca foi necessário subi-la. Representei apenas para mim e o contra-cena já não existe. Estou sozinho e oiço o silêncio. Acabaram as falas, já não há texto para decorar, as luzes apagaram-se. Eu continuo em palco.

O caminho e o tempo

Até aqui sempre procurei aquilo que me saciava e que me deixava confortável. Evitei sempre expor-me ou colocar-me em situações que me fizessem ir mais além. Errei. Procurei sempre o fácil e o menos complicado de atingir, tomei atalhos, desviei-me sempre do ponto da questão e acabei sempre numa encruzilhada de caminhos de um labirinto que eu próprio criei.  Hoje, de volta à casa da partida, com as regras todas alteradas e com uma imensidão de novos obstáculos procuro encontrar um caminho. A dificuldade já não está em segui-lo ou mesmo em definir estratégias para ultrapassá-lo; O que me atrasa agora é a minha própria capacidade em dar tempo para que se concretize etapa a etapa. Descubro agora que não fui precipitado por impulso, nem nunca me desviei dos obstáculos, simplesmente os contornei por vontade em mais rapidamente alcançar os objetivos. Fracassei e tomo agora as dores de anos investidos em tentativas frustradas de atingir o lugar para o qual ainda não estou preparado...

O jogo

A pior sensação que alguém como nós pode sentir é a de não saber o que sente ou não o compreender verdadeiramente. Errantes pelo mundo somos um nada que nos consome e nos destrói; Pessoas como nós são dominantes, têm sede de tudo saber e de tudo compreender, o não entender é uma faca que atravessa o peito e dói a cada milímetro em que se move. Pessoas como nós não se dispõem a viver o presente sem que o passado tenha a sua influência imediata e cujas consequências futuras não sejam planeadas. Num sôfrego desafiamo-nos a avançar e a recuar sem que os outros tenham ainda dado o primeiro passo. Terminamos o jogo e só depois o começamos, todas as estratégias são definidas, tudo está certo quando acaba deliberadamente menos bem.  E há um dia em que percebemos que nós somos o próprio jogo: o seu início, toda a sua complexa rede e o próprio desfecho, aquele que à partida é inevitável. Nós somos as pessoas que não sabem jogar naturalmente porque, na realidade, nós não sabemos nada...

A pessoa

Não tens como não acreditar. Influenciam-te os teus sentimentos e o teu desejo contínuo de felicidade. Não consegues dormir sem que o assunto te incomode e te distraia do que realmente é importante para ti, sofres por não conseguir parar de acreditar, nelas, as pessoas. Pensas o quão errado estás e percebes que apenas tu estás certo, mas não o compreendes. Segues fielmente os teus princípios e não te deixas influenciar, acreditas sobretudo naquilo que a tua alma sente, conduzes-te até ao limite e entendes que não há limites.  Elas afastam-te, diminuem-te, usam-te e põem-te de lado, acreditam na tua resistência e creem ser possível manteres-te impávido, sem reação. Enganam-se, a elas e a ti. E tu choras, incólume mas destroçado por dentro, feito em mil pedaços. Esperas e desejas o dia em que alguma delas te possa compreender. A pessoa.

Solitude da ilusão

Estás preso numa espiral que te conduz sempre à mesma saída e, inevitavelmente, a uma nova entrada: o mesmo caminho que já percorreste.  O início é sempre o despertar de um interesse, a carência assola-te, precisas de um ombro amigo, de um abraço, de trocar elogios e ouvir palavras sensatas sobre algo que não és. Depois apaixonas-te e assustas-te porque começas a perder a razão e os teus pensamentos começam novamente a encaminhar-se para o caloroso e afável sentimento do amor. Sentes-te próximo, queres mais tempo para viver aquilo, queres intensificá-lo. Deixas-te ir devagar, julgas. Apaixonas-te e tentas encontrar lugar na tua lógica pessoal para o amor, o que é que sentes realmente? Estás a gostar, tu sabes disso, sentes-te encantado e maravilhado com o mundo novo que de repente surge à tua volta. Deixas-te levar e vais, segues em frente, pensas. Estás pronto para amar e amas. De repente já estás preso em ti mesmo e na solitude desse amor.   No fim acordas da il...

A morte

Passaram, de repente, três anos e não sinto a tua falta, mas sei que não estás aqui. Quiseste ir, foi opção tua, assim o decidiste. Deixaste-me orfão e detentor de um vazio que nunca pude preencher. Recordo as palavras que te disse naquela noite, como as esquecer? Não consigo decifrá-las, não sei de onde vieram, terá sido pura representação? Nem eu sou assim tão bom ator, nem as mentiras têm tanto significado.  Disse-te, nesse dia, que te amava, não menti, à minha maneira sentia-o, mas nunca o consegui mostrar. Estejas onde estiveres - não estarás em parte nenhuma, por certo - estás livre de mim contigo e de ti comigo.  Não sabes, mas eu tentei seguir-te os passos. A culpa é tua porque me julgaste capaz de uma solidão real, onde já não existias, enganaste-te. Hoje compreendo as palavras que nos teus momentos ébrios me dizias. E a culpa é minha, eu sei, deixei-te sozinho e disponibilizei-te a corda. Apenas a usaste. Eu sei. 

O voltar atrás

Esqueci-me de que não fui apenas eu que prossegui e detenho-me nas lembranças que já não existem, se não apenas na minha e na tua memória, talvez. Arrependo-me. Muitas vezes o faço. Perdi a noção do tempo e fingi seguir em frente. Olho para trás e percebo: continuo exatamente no mesmo sítio. Tudo o que aconteceu resume-se a uma palavra: erro. Mantenho-me na mesma posição de sonhador solitário que tudo ambiciona e que nada consegue. Permanecem os mesmos desejos, as ambições e as responsabilidades que pretendo ter. Não se concretiza, nada faço para que aconteçam. Tomo decisões e recuo em cada vez que avanço. Tu talvez tenhas evoluído, alcançaste, pelo menos, algumas das metas a que te comprometias na altura. Parece ter sido ontem que ainda te dizia o quanto eu te admirava e desejava o teu sucesso. Mantenho o sentimento, vazio da tua presença.  Continuo aqui, mas vou deixar de estar.

Uma espécie de início

Talvez eu até venha a gostar de ti e pode ser perigoso. Posso vir a olhar para ti e em vez de te olhar, começar a ver-te, a admirar-te, a considerar-te o ser que um dia poderei amar, de verdade. Desafias-me e propões-me entrar em percursos que me direcionam à tua essência, à tua liberdade sem condições, a conhecer a tua alma que poderá, um dia, fazer parte da minha. Acordas o melhor que há em mim e adormeces a besta. Dizes-te perto, mesmo longe, eu sei, não precisas de o dizer, porque te sinto. Começas a dar ordens sem verbalizares uma única palavra. Dizes-me para sorrir e eu esboço-te o meu melhor sorriso, pedes-me que me cale e eu nem te respondo, falas-me de arte e eu levo-te ao museu mais próximo. Posso ser o teu maior suporte, mas cuidado, porque todos os bons suportes vêm com alicerces difíceis de suplantar. Eis-me aqui, disponível. Pronto para te dizer aquilo que nunca pensaste ouvir. Árdua tarefa a tua, a de me acompanhares. Sorte a minha por não ter sido eu a escolh...

Como uma viagem ao passado

Vais olhar para trás e descobrir a volatilidade do tempo, perceber que tinhas razão em acreditar e que tudo é apenas pura criatividade. Acompanhado, por certo, vais escrever, em tom demorado e agradecido, com menos génio pela felicidade que te acaricia, mas vais escrever a ti próprio. Agradecer o esforço e a dedicação, o empenho e a tolerância. Vais olhar para trás e escrever: "Tive dúvidas em todo o processo, mas aqui estou, tinhas razão." Nesse dia libertas-te de mim. Não, nunca soube qual seria o desfecho, mas tu também não o saberás tão cedo. Continua a acreditar, é a única forma de o conseguires.

Autobiografia

Complexidade obscurecida pela alma entediada e perplexa de solidão. Máscaras que caem sobre máscaras e raízes que se arrancam sem grande esforço. Medos e ambições sobrenaturais, desejo de um poder desmedido e sem proporções, gostos sem sentido mas extremamente desejados. Angústias disfarçadas com sorrisos falsos e envergonhados que fixam uma personalidade construída por cima da amoralidade que carateriza a pessoa. Desconhecimento e ignorância não assumidas entre as ações inatas e irrefletidas. Um empobrecimento físico daquilo que se ambiciona grande e um complexo natural pela imoralidade do amar os outros. Amar, sem querer o amor, sem a possibilidade de o poder perceber. Mas amar, amar o outro por igual, da mesma espécie e natureza. Do mesmo sexo. Escárnio sexual fruto de uma carência inoportuna e repetida. Imbecilidade e alguma proeza nos jogos do saber, futilidade assumida pela descrença no outro.  Sensibilidade destruidora do saber próprio e da confiança. Incauto, calcu...

O regresso

Todos os dias fazes um novo caminho, dás um novo passo e segues em frente no teu percurso. Procuras saídas, oportunidades, novos mundos e pessoas diferentes. Procuras e encontras, envolves-te e evoluis. Mas a tua história não se altera, não se apaga e muito menos se destrói.  Relembras os hábitos, as angústias, lembras-te das noites a olhar para o vazio e a pensar em tudo aquilo que fizeste, pensas na vida e o que podias fazer fora dali. Lembram-te as pessoas, as suas histórias, a forma como te divertias e como choravas sempre que lá dentro viajavas cá para fora. Foi difícil, apesar de tudo ter sido tão mais fácil lá dentro.  Gritas por socorro, impressionas-te com a tua besta interior e choras em pranto. Suplicas por um fim, pedes-lhe que te dê descanso e que te permita continuar, que te apague as memórias mais incómodas que habitam dentro de ti. Não consegues fazê-lo, nem Ele. É a tua história, o teu percurso e, de todas as vezes, vais regressar, sentir o mesmo, as ...

Quem disse que não foste tu?

Sim, mentiste e enganaste demasiada gente à tua volta. Cometeste tamanhos erros que te perseguirão enquanto respirares o ar que, condenado, pensas não merecer.  Não, ninguém te condenou ou te colocou no lugar onde merecias ter estado.  Sim, saíste ileso, mas não vitorioso. Sofres, todos os dias um bocadinho, por teres sido quem és. Lutas diariamente por conseguir melhor, fazes um esforço e arrependeste de ter feito o que fizeste. Esperas que um dia as coisas se componham e voltes a sentir algo. Esse dia vai chegar, mas até lá vais ter de aprender, aos poucos, como amar os outros, entregar-te naturalmente, sem medo de te perderes.  O teu medo e a tua angústia, sim, o teu sofrimento, são a tua sentença. Não te condenes mais porque já tiveste a tua dose, como eles dizem. E não te arrependas. O mal está feito, o importante é corrigi-lo. Todos nós somos poços infinitos de misérias e de histórias escondidas que tememos revelar, e tu já te expuseste em demasia. Reco...

São amorais e existem

Esqueceram-se eles daquilo que realmente importa e deixam-se ir, juntos, como se o normal fosse inquebrável e como se quebrar a regra fosse arrojo e falta de ética. Correm, a velocidades estonteantes, sem amor, sem gosto, sem conhecimento. Dão tudo e deixam-se ficar. Aos poucos, começam a retirar-se e a perder o interesse, mas não o assumem, têm medo, presumo.  Deixam-se imóveis como maçãs podres caídas no chão. Alguém as pegará, sem fome, apenas por misericórdia e deitá-las-á no lixo, junto de todos os resíduos não desejados. Sem fôlego tentam respirar e esconder-se na mentira das suas ilusões. Complicam em vez de viver. Queixam-se da falta de animosidade, pobres estafermos.  Não têm valores morais ou imorais, apáticos desnudos sem pingo de veracidade. Apenas fingidos e sem gosto pessoal, refúgios de si próprios e sem graça. Cansam a alma, a deles e a dos outros.

O receio que nos inibe e nos inquieta

O pior defeito do Homem é o receio. Temos receio de ir, de agir, de dizer, de confrontar, de confiar, de convidar, de falar. Receamos o ir e deixamo-nos ficar, não arriscamos e arrependemo-nos das nossas decisões, apesar de alegadamente protegidos por elas. Se um dia avançamos, depressa nos falta o chão que já pisámos e com o qual nos conformámos. Somos do habitus  e da lembrança. Somos erros em nós mesmos, pela falta deles. Queremos o que conseguimos e não conseguimos o que não fazemos, por receio. Não ter medo de arriscar é por si só receio. Receio de se conformar com o hábito, com a imobilidade e a apatia. O receio faz parte da nossa vida, por certo, mas é com o receio que temos de aprender a viver e utilizá-lo, como ferramenta, para crescer.

O processo que eu não aprendi

Relativamente a ele tinha uma única certeza que era a de não ter certeza nenhuma. Pela primeira vez percebi que as pessoas não são meros instrumentos de socialização e que não é possível decifrar-lhes uma identidade própria e construir-lhes uma imagem.  Que insistência esta em considerar os outros apenas outros. Desconfiar deles e duvidar da sua lealdade, da sua significação. Não crer na sua boa-fé, ou fé, de todo. Não acreditar em pessoas. Por muito tempo este foi o meu lema: não acreditar em pessoas - quando na realidade deveria ter sido: não seguir os meus instintos.  A confiança é um processo que não nos é inato e muito menos se adquire. Constrói-se e acerta-se ao longo do tempo com a noção de que nunca haverá uma estrutura sólida que não assente numa base segura e imóvel. Confiar num outro ser humano é colocar todas as nossas fragilidades a nú, mostrar-se por dentro e por inteiro, sem máscaras e sem falsas realidades. É, no fundo, uma troca - que acontece simulta...
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Se confiar em ti deixa-me dizer-te que nunca te olharei nos olhos.

Nunca deixarei de fumar

Proíbam-me, digam-me que me matará, expliquem-me todos os malefícios e desvirtudes. Falem, gritem, mandem matar-me, mas deixem-me fumar um cigarro antes que padeça na minha própria ociosidade.  Todos nós temos o nosso porto de abrigo e o meu é a minha própria morte, o meu caminho solene e virtuoso que me conduzirá abaixo da terra, onde os bichos hão-de morrer ao lado do meu cadáver consumido e fumado de todo o tabaco que desde os dezassete me acompanhou.  Deixem-me com o meu tabaco. Deixem de me falar, virem-me as costas, insultem-me e rebaixem a minha altivez. Chamem-me de arrogante e peneirento, de infiel e mentiroso, manipulador, obsessivo. Chamem-me de maluco e suicida, não é assim tão insultuoso ou estará assim tão longe da verdade. Façam-no e humilhem-me, mas deixem-me com o meu fumo. Só eu e ele.

A casa da partida

Chega. O jogo acabou.  Adorava ganhar-te, mesmo quando te dava a entender que tinhas sido tu a levar a melhor. Adorava jogar contigo e avançar, casa após casa, mesmo quando fizemos batota e saltámos umas quantas jogadas. Gostei, mas quando comecei a perder não para ti mas para mim, senti-me perdido, tentei desistir, duas e três vezes, e nunca foi possível ganhar.  Recuei à casa da partida e tu já lá não estavas. Avancei, devagarinho, jogada após jogada, e falhei sempre. Não saí do mesmo sítio e tu já não estás a jogar. Tentei, juro-te que tentei, voltar a jogar, insisti e ainda te tentei subornar para que regressasses, mas tu, a medo, acabaste sempre por recuar. Fizeste bem, não iríamos muito mais longe desta vez.  Cansei-me do jogo e, como tu, desisti de o jogar.

Um mito chamado Drosler

Vendo-me na margem de um rio, esse espelho fascinou-me de tal maneira que tudo ao meu redor se transformou em incómodas gotas de chuva que distorciam a perfeição dessa imagem.  Lars Drosler Poético e irreverente, o imaginário Drosler (de J. Tordo) explica a essência humana e a sua incapacidade de relacionamento. Somos animais, dizem. Antes de tudo o mais somos humanos, é isso que nos distingue. De facto, sim, mas antes somos animais e, como todos os outros, somos centrados em nós mesmos, detentores da única verdade que realmente nos move: a nossa. Instintivos, criativos, superamos barreiras e atingimos todas as nossas metas com uma única condição, típica de qualquer animal: precisamos de acreditar e precisamos de, na nossa verdade, o querer.  Do mesmo livro retirei: "É tão simples, só existem dois caminhos. Podemos tentar compreender tudo, e fracassar; ou aceitar o mundo tal como ele é." Acontece que o poético Drosler discordaria. Inconclusivo, por certo, dada a su...

Esquecemo-nos daquilo que é viver

Todos os dias eles se levantam, bem cedo, e, num ápice, se despacham para ir trabalhar. "Tem de ser", dizem-nos e nós acenamos com a cabeça, consentindo o comentário. Todos os dias eles chegam a casa, depois de oito, nove, dez horas. "Estou cansado daquele trabalho", comentam e, não muito tempo depois do desabafo, a triste realidade transparece: "Mas tem de ser." Quando são mais pequenos, e claramente menos dotados de inteligência para uma resposta honesta, perguntam-lhes qual é a sua ambição, o que querem "ser quando forem grandes", e as respostas tendem a assemelhar-se e a caminhar sobretudo para as profissões liberais: veterinário, médico, professor, polícia, bombeiro, juíz. Acredito que todos eles gostem e tenham uma vocação direcionada para determinado trabalho ou profissão mas e se lhes perguntassem o que querem fazer quando forem grandes, o que têm curiosidade de conhecer, onde sonham um dia poder ir. E se ao invés de os limitar a...

Não pares de fugir

Foge, corre e não pares. Luta contra todos os obstáculos, mas foge e não te deixes apanhar por aquilo que te destrói e te sufoca. Conhece todos os dias, pelo menos, uma pessoa diferente. Fala, a cada dia, sobre um assunto diferente. Revitaliza-te e descontrói a tua rotina, esmaga os planos e perde-te, mas foge. Foge do banal, do comum, do mundano e daquilo que te descaracteriza. Procura cometer erros, mas diversifica-te: um erro só pode ser benéfico quando cometido pela primeira vez. Foge e não deixes de acreditar, mesmo que as tuas crenças se alterem todos os dias. Foge da ignorância e mantém-te atualizado: a ignorância só traz felicidade àqueles que não acreditam que podem ir mais longe. Foge e mantém-te em contato, mas não estejas permanentemente disponível.  Foge, corre e não pares. Reinventa-te.   

Não se desiste daquilo em que se acredita

Até aqui procurei o caminho para fugir àquilo que me consome por dentro e que insisto em querer fazer desaparecer: aquilo que sinto por ti. Por momentos, longos momentos, julguei tratar-se de uma obsessão, uma doença mental, este desejo infinito de te poder tocar, abraçar-te, olhar-te de novo nos olhos e dizer-te tão simplesmente que és a única pessoa no mundo que me faz sentir seguro, confortável e amado. Mostraste-me isso e foi o melhor que alguma vez recebi de alguém. Depois decidi contrariar esta corrupção interna que se aflige dentro de mim e me faz querer voltar atrás e segui os conselhos da vida: segui em frente. Encontrei outras pessoas disponíveis para me conhecer, para me respeitar, para me dar tudo aquilo que poderia querer: respeito, carinho, conforto, um porto seguro, o toque, a carícia, o envolvimento. Descobri-as e afastei-as. Não o senti. Não era o teu cheiro, o teu toque, o teu sorriso. Não eras tu e eu não quis continuar. Olho para ti, penso em ti e em tudo o...

Pensar não é sentir mas é mais seguro

Quem pensa sobre o amor que sente sofre pelo amor que perde, sem o sentir. Quem ama sem pensar sofre pela incapacidade de não o conseguir deixar de sentir. É bom estar apaixonado e aprender a partilhar os momentos a dois, os pensamentos e as ilusões, mas inevitavelmente a paixão vai intensificar-se. Dizemos que amamos sem o perceber realmente e só o entendemos quando não conseguimos deixar de o sentir. Não basta "seguir em frente" quando para trás ficou a parte de nós que amou (e que ainda ama). O amor não deixa de se sentir e não é substituível, quem ama não desiste, mas quem persiste só o pode fazer quando reconhece ser possível acreditar. 
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Para onde a seguir?

A distância não tem tempo

A distância e o tempo são circunstâncias voláteis e absolutamente nada constantes. Os dias passam, os meses duram e a distância aumenta, tendemos para o esquecimento até que, de repente, a distância se quebra e o tempo pára. E, pior, volta atrás. O que de mais certo existe deixa de fazer sentido quando nos debruçamos sobre a ação humana e essa, com maior persistência e independente da distância e do tempo, perdura e não se apaga. O amor existe e não se desconcretiza. O amor e a morte nada separa da concretização. São o que de mais real o ser humano tem para si. 

Aquelas palavras confusas

E, sem que nada o prevê-se, começaste a desvanecer. Começas a perder espaço próprio e adquirir o teu estatuto próprio, no passado. Não me é possível esquecer-te, nem a coisa nenhuma que junto de ti vivi. És importante, sim, e nem por isso mais importante do que eu. Troquei-te, talvez. Troquei-te por mim: o melhor que podia ter decidido fazer. Existes e continuas a existir no meu percurso. Um dia, vou cruzar-me novamente contigo e o mais provável é que esse encontro até seja propositado e sei que, nesse dia, vou conseguir olhar para os teus olhos e perceber o quanto gosto de ti e o como já não é possível amar-te. Não te agradeço porque ainda te vejo como uma "pedra no sapato" difícil de sair, mas espero poder fazê-lo. 

O caminho da incerteza

Olhas à tua volta e procuras um exemplo, um modo de o fazer, a atitude correta, o caminho a percorrer. Percebes a inúmera quantidade de pessoas que tens à tua volta e as várias formas que podes adotar para ti e projetas o teu percurso, imaginas-te de mil e uma formas e, um dia, quando decides parar e perguntar-te, excluindo as coordenadas que sempre te guiaram, o que gostarias mesmo de fazer, ficas sem resposta, vês-te perdido entre as várias hipóteses que já colocaste. "Não sei", dizes. E, de repente, percebes que o teu erro é continuar a procurar e a colocar em hipótese os vários caminhos possíveis. Percebes que o que importa não é escolher o que fazer, mas ir escolhendo, ao longo do caminho, o que não fazer.
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Se um dia o conseguir, não to direi. Prometo.

Um caminho para a Paz

Pára um pouco para pensar e fala. Verbaliza tudo aquilo em que pensas nesse momento e explora esse pensamento, vê até onde te leva e tenta ver sempre para além disso. Explora a tua própria mente. E quando já não encontrares mais onde caminhar, quando o teu raciocínio terminar, quando os desejos culminarem num percurso sem saída, então pára novamente. Pára e não penses, não fales. Olha, sem observares. Ouve, sem escutares. Toca, sem sentires. Pára. Aproveita o momento e desfruta, atingiste a tua liberdade, encontraste a tua paz interior. 

A falsa teoria do acreditar

Certo dia disseste-me que o segredo para atingir a felicidade era acreditar nos momentos, vivê-los, consumi-los e avançar. Disseste-me que vivesse o presente e que esgotasse todas as saudades nele. Acreditei em ti e fui feliz. Provaste-me que a tua teoria resulta mas esqueceste-te de me dizer que não estarias sempre cá para me lembrar dela. Perdi a fórmula do teu sucesso e não te posso encontrar outra vez.  Gostava de poder voltar a encontrar-te, a mesma pessoa que me ensinou como sorrir e evitar o raciocínio, a pessoa que me ensinou a ignorância e a inconsciência como virtudes, a pessoa que me explicou como as pessoas são e a forma como agem. Gostava de te poder ver novamente e dizer-te o quão enganada estavas, explicar-te que a tua teoria não passava de um instrumento daquilo que realmente importava para mim e para o meu sorriso.  Não me esqueci de tudo o que me ensinaste e continuo a acreditar nos momentos, a vivê-los e a consumi-los, mas não consigo avançar, com...

O poeta é um fingidor

Segues em frente e escondes o sufoco de nunca teres querido sair de onde estavas. Arrumas as gavetas e eliminas os vestígios, guardas as lembranças na velha caixa de sapatos onde abafas as lágrimas que proíbes de percorrerem o teu rosto.  De quando em vez lembram-te os momentos, as músicas, os jantares simples, num quarto pequeno, que davam razão ao teu dia. Finges-te desiludido e mascaras as emoções. Trocas as recordações que um dia te fizeram feliz pelos sonhos que trarão motivos para sorrir. Não és mais do que um poço com um fundo acobertado de esqueletos e memórias do passado e ainda assim recusas a encher-te de motivos para continuar em frente e isolas-te. Insistes num futuro cheio de certezas enquanto vês o presente passar por entre ti e a tua alma presa no passado.  
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Sim, está acompanhada. Mas sempre sozinha.

A fantasia do acreditar

O dia em que descobrires que nada daquilo que imaginaste ser possível, nem que tenha sido apenas num sonho, não passa de uma fantasia, uma ilusão, será o dia em que deixarás de existir e morrerás aos teus próprios olhos. Somos feitos de sonhos e das suas ilusões. Nascemos vítimas de um desejo irreal pela continuidade da espécie, resultado da união de almas gémeas que nunca se chegaram a encontrar, uma mentira em que todos acreditam e a qual reforçam e apoiam durante nove meses do sufoco embrionário. Vivemos rodeados de mentiras que constroem realidades onde a imperfeição nos é invisível pela sua omnipresença e indistinção. Tomamos decisões e criamos conhecimento, baseados em falsas esperanças e desejos coletivos. Dizemos que "sim" quando deixamos de perceber o "não" como proteção. Seguimos em frente e, de repente, percebemos que é tudo uma ilusão e não paramos de respirar, continuamos, atores de um drama que só pode terminar no final do acto. 

A verdade é uma merda

A verdade é sempre a pior das mentiras para qualquer um de nós que acredita conseguir ser positivo, alegre e bem disposto. A verdade corrompe a alegria e ataca os mais humildes ignorantes que vivem felizes no conto das fadas inexistentes. Felizes os que nelas acreditam. Trago em mim a multiplicidade de personalidades que visto diariamente. É para mim fácil ser positivo e olhar em frente com uma falsa mas astuta confiança; Dói menos acreditar, sonhar, ir em frente e trilhar o caminho com pedrinhas de verdadeira ilusão. Mais difícil é dizer a verdade, aquela que trazemos na nossa mente e que, muitas vezes, apresenta os sentimentos de repúdio, desilusão e de frustração que escondemos para os não assumir. Dizer a verdade custa, dói e magoa e, em contrapartida, apenas nos tranquiliza e conforta por dentro. Em resposta à verdade, somos condenados em praça pública por mau caráter e desconsideração pelos outros. Tomados em parte por manipuladores e no todo por gente sem escrúpulos. A ...

O tempo que nada cura

O meu grande erro sempre foi tomar a parte pelo todo. Dei-te a importância demasiada que quis dar-te, descuidando a vontade em proteger-me, protegendo-te. Errei. Das duas formas.  Acabei por te magoar, magoando-me. Sofri as minhas dores e dei-te a sofrer as tuas. Abri-te os olhos, presumo. Ambos o fizemos e acordámos para a realidade do falso matrimónio que havíamos construído em menos de nada.  As coisas já não estavam bem, sabíamo-lo. Mas enquanto todas as discussões e desacatos terminavam no abraço que nos aconchegava e nos aproximava, estávamos bem. Éramos, fomos e somos ambos egoístas. Nunca nos respeitamos verdadeiramente porque nunca fomos capazes de nos compreender, ver-mo-nos pelos olhos do outro e isso foi a nossa verdadeira sentença. Não posso dizer que deixei de te amar, porque não é verdade. Sinto a falta da tua presença e do teu carinho, mas repudio a ideia de voltar a ter de discordar de ti e saber de que forma isso culminaria. Gosto da ideia do teu ...
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É saber-te aí e não te encontrar. Querer-te longe de mim.

Soterrado em sombras escondidas

Que misto este de emoções entrelaçadas em memórias que me corrompem e me confundem paradoxalmente entre o carinho, a angústia, o conforto, a ternura, o sofrimento, o choro, a mentira e o engano, a verdade, a irracionalidade, o querer ficar contigo para sempre e o jamais querer voltar a encontrar-te.  Morrem pessoas por muito menos e eu sobrevivo soterrado em sombras escondidas e entulho esquecido de amor aos baldes que outrora carreguei. Chego a ter pena de mim por tamanha perplexidade desconcertante com os pensamentos e sentimentos. Que raio de vida, que ser tão inoportuno sou, que estupidez imoral e apática trago comigo.

O amor mata

O porquê das coisas é muitas vezes a nossa maior dúvida e, por certo, o nosso maior erro é querer entendê-lo. Há certas circunstâncias que nos limitam a liberdade de escolha e, em grande parte das vezes, limitamo-nos a fazer aquilo que sentimos ser o correto, sem pensar no assunto. Mas pior do que esse ato irrefletido é quando nos restringimos de fazê-lo e nos arrependemos dessa inacção. Lutamos muitas vezes contra a nossa vontade em prol do nosso pensamento e, acrescento eu, da nossa estabilidade emocional, mas a realidade é que somos, por natureza, seres emocionalmente instáveis, dizemos o que não queremos e arriscamos tudo; A nossa racionalidade inclusivamente. O amor é o pior dos nossos defeitos e, como o ópio para os artistas, a nossa maior motivação. Morrem os artistas pelos vícios e morremos nós, artistas ou não, pelo amor que nos consome. 

Eu estou aqui

Não obtive a tua resposta durante demasiado tempo, ouvi o silêncio em cada vez que perguntei por ti e sufoquei na dor que foi crescendo dentro de mim. Quis alimentar um ódio que não podia sentir e, como seria de esperar, fracassei. Vejo-me hoje confrontado com o mesmo sentimento que te reservei. Quis mesmo, por momentos, acreditar que tudo não teria passado de uma ilusão, uma que teria criado envolto na mentira do amor. Mas a mentira sempre foi da minha parte: menti-te, menti-me a mim mesmo e alimentei, sempre, uma mentira que não incluía aquilo que senti, sinto e, presumo, continuarei a sentir por ti. Acredito que serei sempre a mesma pessoa. Continuo a pensar da forma independente e solitária que sempre me caracterizou mas, ao longo do tempo, aprendi a partilhar as minhas emoções. Não sei o que nos espera mas estou disponível para ti, a qualquer momento, nem que seja apenas para estar na tua presença e dizê-lo: "Eu estou aqui."
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Dás-me aquele abraço?

Acaba sempre por doer

O meu pior defeito é a manipulação dos afetos. Sou ator da minha própria realidade e, sem que o perceba, mascaro todas as situações à minha volta. Por vezes esqueço-me mesmo do que realmente sinto e, por um momento, acredito estar a sentir aquilo que despretensiosamente construo. Não minto. Fi-lo, por vezes, com preocupação pelos outros e pelos seus sentimentos, mas percebi que, de uma forma ou de outra, acaba sempre por doer.  Preferi sempre a solução menos ortodoxa. incorri em erros, uns atrás dos outros, e percebi sempre que poderia ter evitado tudo o que fiz acontecer ao longo da minha vida. Arrependo-me com a certeza absoluta de quem não o voltaria a fazer sabendo a dor que hoje guardo em consequência de todas as vezes em que fui infiel para comigo.   

Eu não posso ser teu amigo

Quis o destino, essa ilusão de fatalidade do real em que nós nos apoiamos para dar justificação àquilo que não entendemos, que um dia nos separássemos bruscamente, obrigados a esquecer a presença do outro. Pior seria uma despedida, um adeus forçado ou então um "seremos sempre bons amigos".  A amizade constrói-se sem pretensões do destino e não dói quando a ausência se faz sentir. Temos saudades dos nossos amigos e daquele abraço que nos conforta, mas não temos uma necessidade da sua presença, do seu odor corporal e, sobretudo, do toque que nos arrepia e queima, aos poucos, a alma. Eu não posso ser teu amigo porque nunca o fui na essência da amizade. Não consigo dar-te a mão e dizer-te para ires em frente, pelo menos não sem mim. 
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Quando olho para lá é do teu cheiro que me recordo.

A escassez da liberdade

Canso-me de olhar pela janela na tentativa de, lá fora, encontrar uma alternativa para saciar todas as vontades em viver que guardo dentro de mim. Já quis ser médico, professor, veterinário, advogado, jornalista, ator, realizador e até músico, o que é de estranhar para alguém com uma voz tão pouco prodigiosa. O meu problema é que, ao contrário de uma criança que vai mudando de ideias e se apaixona, ao longo do tempo, pela crença que fixa, eu não fixo nenhuma das minhas vontades senão a vontade em querer satisfazê-las. Quando deixo de ver e de ouvir para passar a olhar e a escutar os outros no mundo para lá da minha janela percebo que eu posso mesmo ser a única pessoa certa no meio de tudo isto. Eu limito-me a ter o objetivo de satisfazer a vontade que reside na minha alma, enquanto que lá fora todos os outros se limitam a ignorar o óbvio e correm contra o tempo para o deixar passar e perdê-lo sem nada aprender no seu dia-a-dia. Quem sabe um dia não possa abrir uma barraquinha de l...

A rotina que mata

Transformamos os dias em tempo e perdemos o nosso tempo a preocupar-nos com os dias em que não vivemos. Sou por natureza insaciável e, por vezes, insuportável. Dizem-me os poucos amigos que me acompanham que não nasci para sobreviver mas para enganar a morte, chegando-me sempre perto dela e fugindo-lhe entre os pés. Talvez tenham alguma razão no que dizem, mas não creio tê-la visto alguma vez, salvo quando me entreguei à rotina dos dias que se sobrepõem no calendário, aí, talvez, lhe tenha suplicado alguma misericórdia.  Sobreviver. Quem nasce para sobreviver perde-se na qualidade do viver e esquece-se do que o que realmente importa não são a fama, o poder e o dinheiro, os três pilares que nos conduzem, com maior celeridade, aos caminhos do infortúnio e da desolação. Acredito na alma e nela vivem-se os momentos, os bons e os maus, com os sorrisos e as lágrimas, a alegria e a tristeza. Nela não existem as rotinas.
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Je ne sais pas.

A estabilidade que incomoda

Quis sempre mais do que aquilo que tive sendo insatisfeito por natureza. Dificilmente, em criança, não fui correspondido nos meus pedidos supérfluos. Hoje sou mais comedido a pedir, mas dificilmente obtenho a resposta que desejo. A verdade é que também não sei, ao certo, aquilo que procuro. Todos os dias mudo a ideia que crio acerca do meu percurso, uns dias sorrio e fico feliz por ter chegado até onde cheguei, nos outros fecho-me e consolo-me com as canções tristes da Simone ao sabor de um copo de vinho e na companhia do cigarro que desaparece em menos de três minutos.  Gostava de ser um daqueles seres satisfeitos e sorridentes. Cada momento um motivo para celebrar, o carpe diem , explicam os sortudos. Mas os momentos não são todos alegres, pelo contrário, há mais motivos de tristezas e de lamento do que de festejo e de celebração na minha vida, mas isso não é sinónimo, em mim, de uma alma perdida e fracassada, apenas insatisfeita, tal como o miúdo de dez anos que já fui....

Fico cego quando te amo

Amar-te é mentir-me a mim próprio sobre aquilo que penso e não o posso permitir porque não sei existir sem o meu pensamento imaculado. Não deixo de ver com clareza cada vez que deixo cair uma lágrima em desespero pela tua ausência, mas esqueço-me de como se olha. Perco a capacidade de tomar atenção às coisas e o tempo passa por mim como se eu não existisse.  Não sei amar porque não sei como viver ao perder a eficiência da visão e por mais romântica que seja a ideia de deslumbrar-me com o mundo ao teu lado, não sei olhá-lo com os teus olhos sobrepostos aos meus. Posso ser egoísta e mal amado, mas não sou cego e gosto de ver as coisas com os meus próprios olhos.