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A mostrar mensagens de maio, 2015

O receio que nos inibe e nos inquieta

O pior defeito do Homem é o receio. Temos receio de ir, de agir, de dizer, de confrontar, de confiar, de convidar, de falar. Receamos o ir e deixamo-nos ficar, não arriscamos e arrependemo-nos das nossas decisões, apesar de alegadamente protegidos por elas. Se um dia avançamos, depressa nos falta o chão que já pisámos e com o qual nos conformámos. Somos do habitus  e da lembrança. Somos erros em nós mesmos, pela falta deles. Queremos o que conseguimos e não conseguimos o que não fazemos, por receio. Não ter medo de arriscar é por si só receio. Receio de se conformar com o hábito, com a imobilidade e a apatia. O receio faz parte da nossa vida, por certo, mas é com o receio que temos de aprender a viver e utilizá-lo, como ferramenta, para crescer.

O processo que eu não aprendi

Relativamente a ele tinha uma única certeza que era a de não ter certeza nenhuma. Pela primeira vez percebi que as pessoas não são meros instrumentos de socialização e que não é possível decifrar-lhes uma identidade própria e construir-lhes uma imagem.  Que insistência esta em considerar os outros apenas outros. Desconfiar deles e duvidar da sua lealdade, da sua significação. Não crer na sua boa-fé, ou fé, de todo. Não acreditar em pessoas. Por muito tempo este foi o meu lema: não acreditar em pessoas - quando na realidade deveria ter sido: não seguir os meus instintos.  A confiança é um processo que não nos é inato e muito menos se adquire. Constrói-se e acerta-se ao longo do tempo com a noção de que nunca haverá uma estrutura sólida que não assente numa base segura e imóvel. Confiar num outro ser humano é colocar todas as nossas fragilidades a nú, mostrar-se por dentro e por inteiro, sem máscaras e sem falsas realidades. É, no fundo, uma troca - que acontece simulta...
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Se confiar em ti deixa-me dizer-te que nunca te olharei nos olhos.

Nunca deixarei de fumar

Proíbam-me, digam-me que me matará, expliquem-me todos os malefícios e desvirtudes. Falem, gritem, mandem matar-me, mas deixem-me fumar um cigarro antes que padeça na minha própria ociosidade.  Todos nós temos o nosso porto de abrigo e o meu é a minha própria morte, o meu caminho solene e virtuoso que me conduzirá abaixo da terra, onde os bichos hão-de morrer ao lado do meu cadáver consumido e fumado de todo o tabaco que desde os dezassete me acompanhou.  Deixem-me com o meu tabaco. Deixem de me falar, virem-me as costas, insultem-me e rebaixem a minha altivez. Chamem-me de arrogante e peneirento, de infiel e mentiroso, manipulador, obsessivo. Chamem-me de maluco e suicida, não é assim tão insultuoso ou estará assim tão longe da verdade. Façam-no e humilhem-me, mas deixem-me com o meu fumo. Só eu e ele.

A casa da partida

Chega. O jogo acabou.  Adorava ganhar-te, mesmo quando te dava a entender que tinhas sido tu a levar a melhor. Adorava jogar contigo e avançar, casa após casa, mesmo quando fizemos batota e saltámos umas quantas jogadas. Gostei, mas quando comecei a perder não para ti mas para mim, senti-me perdido, tentei desistir, duas e três vezes, e nunca foi possível ganhar.  Recuei à casa da partida e tu já lá não estavas. Avancei, devagarinho, jogada após jogada, e falhei sempre. Não saí do mesmo sítio e tu já não estás a jogar. Tentei, juro-te que tentei, voltar a jogar, insisti e ainda te tentei subornar para que regressasses, mas tu, a medo, acabaste sempre por recuar. Fizeste bem, não iríamos muito mais longe desta vez.  Cansei-me do jogo e, como tu, desisti de o jogar.

Um mito chamado Drosler

Vendo-me na margem de um rio, esse espelho fascinou-me de tal maneira que tudo ao meu redor se transformou em incómodas gotas de chuva que distorciam a perfeição dessa imagem.  Lars Drosler Poético e irreverente, o imaginário Drosler (de J. Tordo) explica a essência humana e a sua incapacidade de relacionamento. Somos animais, dizem. Antes de tudo o mais somos humanos, é isso que nos distingue. De facto, sim, mas antes somos animais e, como todos os outros, somos centrados em nós mesmos, detentores da única verdade que realmente nos move: a nossa. Instintivos, criativos, superamos barreiras e atingimos todas as nossas metas com uma única condição, típica de qualquer animal: precisamos de acreditar e precisamos de, na nossa verdade, o querer.  Do mesmo livro retirei: "É tão simples, só existem dois caminhos. Podemos tentar compreender tudo, e fracassar; ou aceitar o mundo tal como ele é." Acontece que o poético Drosler discordaria. Inconclusivo, por certo, dada a su...

Esquecemo-nos daquilo que é viver

Todos os dias eles se levantam, bem cedo, e, num ápice, se despacham para ir trabalhar. "Tem de ser", dizem-nos e nós acenamos com a cabeça, consentindo o comentário. Todos os dias eles chegam a casa, depois de oito, nove, dez horas. "Estou cansado daquele trabalho", comentam e, não muito tempo depois do desabafo, a triste realidade transparece: "Mas tem de ser." Quando são mais pequenos, e claramente menos dotados de inteligência para uma resposta honesta, perguntam-lhes qual é a sua ambição, o que querem "ser quando forem grandes", e as respostas tendem a assemelhar-se e a caminhar sobretudo para as profissões liberais: veterinário, médico, professor, polícia, bombeiro, juíz. Acredito que todos eles gostem e tenham uma vocação direcionada para determinado trabalho ou profissão mas e se lhes perguntassem o que querem fazer quando forem grandes, o que têm curiosidade de conhecer, onde sonham um dia poder ir. E se ao invés de os limitar a...