As minhas convicções (ou a falta delas)

Estamos, com grande frequência, perante uma tomada de posição: direita ou esquerda; certo ou errado; a favor ou contra; verde ou vermelho; sim ou não? Dizem que é mesmo assim a vida. E não é mentira que durante todas as horas do dia em todos os dias da nossa vida fazemos escolhas: chamam-lhe a tão desejada liberdade, um conceito diferente daquele que eu sempre imaginei para a liberdade sem limitações.

Dou por mim, algumas vezes, indeciso. Qual é a minha posição? O que me leva a associar-me um partido ou a um movimento? Quais é que são, de facto, as minhas convicções? São fruto da minha experiência, do meu passado, das minhas leituras, vivências, amizades, contactos? É difícil tentar percebê-lo, mas mais importante do que entender a sua origem é perceber a sua realidade.

Serei eu contra ou a favor do Aborto? O que é que a minha posição implica ou, pior, o que é que a ausência da minha opinião significa? Serei eu assim tão importante ou, contrariamente, tão insignificante? O aborto está intrinsecamente ligado à dicotomia das pessoas que defendem a vida e aquelas que defendem a individualidade e o poder de escolha. Mas, sendo eu uma pessoa totalmente a favor da liberdade individual e que defende a vida, como posso posicionar-me se não perante a minha insuficiente visão do mundo? Será que os outros se debatem com a mesma questão?

Contrariamente ao que frequentemente faço, vou procurar tomar uma posição. Costumam apelidar-me de "advogado do Diabo" por contrapor de forma constante os factos dos outros. Habituei-me a essa posição de oposição que não assume, de facto, a sua visão. É uma proteção, quero acreditar. Mas talvez seja cobardia. No que diz respeito ao aborto sinto-me na obrigação de me apresentar como um homem homossexual, não católico, sem convicções políticas relevantes e com uma parca experiência familiar que me permita ter uma posição comprometedora. 

Acredito no conceito de vida como um conjunto de escolhas finito que, indubitavelmente, culmina num desfecho. Não necessariamente a morte física que, em último reduto, elimina a existência, mais do que a vida. Não advogo a vida conceptualmente como um direito absoluto, que ninguém nos pode tirar: não quero com isto defender qualquer forma de homicídio, mas acredito que a própria vida é um direito que se conquista. De novo, não acredito na vida humana apenas como uma forma de existência, mas num todo que se consolida com o pensamento e com a ação ou a falta dela. 

Tento ouvir sempre mais do que aquilo que eu falo, acho que o faço para me solidificar e para validar aquilo que é o meu conhecimento. Por vezes tendo a ser um impostor que não acredita em si próprio ou nas suas convicções, mas geralmente defendo uma ideia, mesmo que não a transmita. E o que eu oiço acerca do tema "aborto" são sempre argumentos válidos (assumindo que simplesmente não oiço posições extremadas sem fundamento lógico ou emocional). 

Mas se eu considero todos os argumentos válidos, porque é que não me posiciono nos que me fazem mais sentido? Exatamente porque não me faz sentido uma posição que contraponha outra naquilo que eu acredito ser uma escolha individual, momentânea e que deve ser refletida ao nível pessoal. Eu não consigo simplesmente responder à questão: "És contra ou a favor do aborto?", porque para mim essa não é uma questão que se aplique. Em primeiro lugar eu nunca serei alvo de tamanha provação porque, sendo homem, nunca irei engravidar e nunca terei de refletir sobre o assunto. Em segundo lugar, e também porque sou homem, acredito que é à mulher a quem cabe a decisão final numa questão como o aborto. Não me faz sentido que discutamos ainda, no século vinte e um, o domínio do corpo feminino. E menos sentido me faz que se discuta a propriedade de um ser que ainda não existe, mesmo que concebido pelo encontro de dois outros seres. Ambos contribuíram para a sua concepção, mas apenas um deles carrega o fardo do seu desenvolvimento intra-uterino. 

Aproveito este momento para reforçar a minha posição sobre a própria gravidez. Porque é que tem de ser a mulher a vítima de uma gestação não conseguida? Ninguém pode negar a natureza do corpo humano e deixar de glorificar a aptidão da gestação que reside no corpo feminino e, por isso, ninguém deve julgar a sua possível insuficiência na gestação. Somos todos humanos, somos todos apenas corpos e todos temos a exclusiva habilidade do raciocínio, porquê complicar? E concluo esta pequena nota que reforça a minha posição acerca do tema. 

Um filho, dizem, é a representação máxima do amor. Não o consigo idealizar, porque não sou pai, mas consigo entendê-lo, talvez por não me ter sido possível entender melhor o amor se não a partir de uma relação entre uma mãe e um filho. Mas deve ser isto considerado nesta discussão? Acreditamos mesmo que uma mulher ponderaria a opção do aborto se, de facto, na sua máxima consciência, acreditasse nessa representação de amor? E se essa mulher não quiser ser mãe? E se o seu corpo rejeitasse a gestação, como tantas vezes acontece, pela natureza, faríamos o mesmo julgamento? Por certo que a questão que se coloca, na discussão do aborto, é a liberdade da mulher em tomar essa opção e não a interrupção da gestação, por si.

Não concebo que neste tipo de discussão a fé e a religião ocupem lugar. Não podemos colocar este tipo de discussões sob os juízos de qualquer igreja ou crença, da mesma forma que não devemos depositar todos os argumentos com base numa ciência que se fundamenta na amostra e no erro. A vida não é nem fé nem matemática, somos nós, as pessoas. E o aborto é tanto uma questão social como o é a bondade e a maldade, a união e a separação, a mentira e a verdade, o certo e o errado. Quem é que o pode determinar se não a própria razão? É a bondade o fator determinante na nossa sociedade? Aceitamos nós todas as verdades? Somos todos a favor da união, mesmo que estejamos separados? Quem é que determina aquilo que está certo? 

Talvez este não tenha sido o melhor exercício na tomada de uma posição. Eu avisei que raramente é um exercício fácil para mim, mas acredito que deixei clara aquela que é a minha convicção neste como em tantos outros temas. Porque é que corremos sempre atrás de dicotomias? Porque é que procuramos sempre um lado em contraposição a outro? Porque é que não somos capazes de pensar em liberdade, sem uma limitação de opções? 

Eu opto por este lado, o lado sem uma posição final que não seja primeiramente pensada e discutida à luz da exclusividade de cada caso, com a sua própria razão. Talvez a fé, a religião, a matemática, a ciência ou a história mostre que eu estou errado, mas isso só prova que houve quem primeiramente decidiu o que é o certo para si. 

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